Entrevista com a Psicóloga Vanessa Monteiro Silva: O Impacto Psicológico da Imigração e o Sentimento de Pertencimento

A imigração traz desafios que vão além da adaptação cultural – ela impacta profundamente o nosso senso de pertencimento. Nesta entrevista, a psicóloga Vanessa Monteiro Silva fala sobre os efeitos emocionais dessa jornada e como lidar com as incertezas desse recomeço.
A imigração traz desafios que vão além da adaptação cultural – ela impacta profundamente o nosso senso de pertencimento. Nesta entrevista, a psicóloga Vanessa Monteiro Silva fala sobre os efeitos emocionais dessa jornada e como lidar com as incertezas desse recomeço.

A experiência de imigração é cheia de desafios – não apenas logísticos, mas também emocionais e identitários. Mudar-se para outro país implica reconstrução de identidade, adaptação e, muitas vezes, sentimentos de deslocamento e solidão. Para falar sobre esse tema tão sensível, convidamos a psicóloga Vanessa Monteiro, especialista no atendimento de brasileiros ao redor do mundo, para compartilhar sua visão sobre os impactos emocionais da imigração e como encontrar um equilíbrio nesse processo.

Jornada Mãe Imigrante: Vanessa, por que a imigração pode gerar um impacto emocional tão intenso?

Vanessa Monteiro: A imigração é um processo muito mais complexo do que muitas vezes imaginamos. Costuma ser um passo planejado, mas sua vivência real traz desafios inesperados. No geral, percebo que existe um sentimento dicotômico entre a vontade de se integrar e pertencer ao novo país e, ao mesmo tempo, a sensação de perda daquilo que antes era sólido e seguro.

Além disso, muitas pessoas enfrentam um paradoxo emocional: algumas se sentem pertencentes a dois lugares ao mesmo tempo, enquanto outras não se sentem pertencentes a lugar nenhum. Esse estado emocional pode gerar frustração, angústia e até crises de identidade.

Jornada Mãe Imigrante: Como a necessidade de pertencimento afeta a adaptação do imigrante?

Vanessa Monteiro: Para entender melhor essa questão, podemos recorrer à Teoria das Necessidades Humanas, de Abraham Maslow. Ele descreve que, depois de atendidas as necessidades mais básicas – como segurança financeira, moradia e alimentação –, os seres humanos buscam relacionamentos e pertencimento.

Ou seja, mesmo depois que um imigrante resolve questões burocráticas e estruturais, ele pode se sentir incompleto porque ainda não construiu uma rede social, não estabeleceu vínculos emocionais profundos ou não se reconhece na cultura do novo país. Essa falta de pertencimento pode gerar alienação, baixa autoestima e, em casos mais intensos, sintomas de ansiedade e depressão.

Jornada Mãe Imigrante: Estes sentimentos podem nos causar a sensação de dor física?

Vanessa Monteiro: Sim, pesquisas da Universidade da Califórnia demonstram que a exclusão social ativa no cérebro as mesmas áreas responsáveis pelo processamento da dor física. Isso significa que se sentir deslocado em um novo país pode literalmente doer, causando estresse, sofrimento emocional e dificultando a adaptação.

Mas há uma boa notícia! O cérebro possui uma capacidade chamada plasticidade cerebral, que permite a formação de novas conexões neurais. Isso significa que, com tempo e estratégias adequadas, podemos treinar nossa mente para lidar melhor com períodos de incerteza e construir um novo sentimento de pertencimento.

Jornada Mãe Imigrante: Como um imigrante pode fortalecer sua identidade e reduzir essa sensação de “não pertencimento”?

Vanessa Monteiro: É essencial que o imigrante reconheça que o pertencimento não precisa ser absoluto ou perfeito. Muitas vezes, as pessoas esperam que o novo país ofereça um acolhimento ideal, mas o mais estratégico é desenvolver um senso de pertencimento interno, baseado em seus valores, crenças e experiências pessoais.

Gosto de usar a metáfora da “mochla simbólica”:

  • Ao invés de esperar que o mundo nos ofereça o melhor, podemos carregar conosco aquilo que nos fortalece – memórias, cultura, rituais, identidade;
  • Isso nos permitirá sentir segurança e continuidade, independente do país onde estamos.

Outra dica importante é buscar conexões e criar uma rede de apoio. Isso pode ser feito participando de eventos culturais, grupos de mães imigrantes, atividades comunitárias e, quando necessário, buscando apoio psicológico para facilitar essa transição.

Jornada Mãe Imigrante: E quando o imigrante percebe que a adaptação não está acontecendo?

Vanessa Monteiro: Em alguns casos, o processo de adaptação pode ser tão desafiador que o retorno ao país de origem se torna uma possibilidade real. Muitos imigrantes carregam uma pressão interna para “fazer dar certo”, mas é importante lembrar que mudar de ideia não significa fracasso.

Se a imigração está causando mais perdas do que ganhos, se a pessoa sente que não consegue se adaptar e isso afeta sua saúde mental, considerar a volta pode ser uma decisão legítima.

Por outro lado, a adaptação pode levar tempo, e muitas vezes, olhar para si mesmo com paciência e acolhimento pode ajudar a superar os momentos mais difíceis.

Jornada Mãe Imigrante: Como podemos desenvolver uma relação mais leve com a imigração?

Vanessa Monteiro: O imigrante precisa aceitar a transitoriedade. A imigração é um processo, e ninguém precisa ter tudo resolvido no primeiro ano. A cada novo passo, a sensação de pertencimento se constrói.

Minha sugestão para as mães imigrantes é:

  • Não se compare com outras pessoas – cada trajetória é única;
  • Dê tempo para criar vínculos no novo país;
  • Crie pequenos rituais que tragam familiaridade (receitas brasileiras, músicas da infância, tradições);
  • Procure grupos de apoio – ninguém precisa passar por isso sozinho;
  • Se precisar, busque ajuda profissional para entender e processar os desafios emocionais.

Imigrar é uma jornada intensa, mas também pode ser um processo rico e transformador. Todo lugar pode ser um terreno fértil para o crescimento pessoal.

O imigrante se transforma ao longo do tempo. Quando olha para trás, percebe o quanto cresceu, o quanto se tornou mais forte e mais capaz. O pertencimento não precisa ser imediato e absoluto. Ele pode ser construído aos poucos, no ritmo de cada um.

Se hoje parece dificil, lembre-se de que a sua história ainda está sendo escrita. E cada passo que você dá é parte de um caminho maior, que pode levá-lo a lugares que você nem imaginava alcançar.

Vanessa Monteiro Silva é psicóloga clínica e trabalha com psicoterapia online para brasileiros no exterior. Com anos de experiência atendendo imigrantes em mais de 20 países, ela auxilia no desenvolvimento da resiliência emocional e adaptação em novas culturas.

Instagram: @psicologavanessamonteiro

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